segunda-feira, maio 01, 2006

29.03.2006 Eclipse solar total em Side - TURQUIA

No dia de 29 de Março de 2006, entre as 13 h 54 min e 13 h 58 min, aqueles quase quatro minutos marcaram-me uma realidade que, pela primeira vez, me pareceram um sonho, ou, porventura, como alguém disse, que o sonho tinha sido ultrapassado. Aproveitei a oportunidade para presenciar algo que todos nós ouvimos, lemos como sendo absolutamente imperdível, e, o qual deve ser presenciado, pelo menos uma vez! Como único enviado do grupo de Coimbra - PORTUGAL: Proxima Centauri, desloquei-me ao local histórico de Side na Turquia ficando situado a apenas 6 km a Este da linha central. Já o ponteiro das horas se inclinava para a direita do número 8, quando me preparava para subir a uma das colunas de mármore que outrora suportaram o parcialmente destruído templo de Apolo e Atena.

Estive num lugar privilegiado pois tinha vista para o Mar Mediterrâneo com uma extensão de mais de 180º bem como imediatamente à minha direita quando mirava o mar, agigantava-se o magnífico templo de Apolo. À medida que o tempo passava, milhares de pessoas iam aglomerando em torno de Side, quer fosse próximo do templo, do teatro romano, no meio de caminhos limitados por antigas colunas, junto ao mar.

Tudo se preparava freneticamente para o evento que se avizinhava... O luminoso templo de Febo (epíteto dado a Apolo) com as suas imponentes colunas e frontispício contrastavam com a tonalidade fortemente azulada do Mar Mediterrâneo e do céu, palco do espectáculo divinal que aconteceria assim que Selene ocultasse todo o poder de Helios. É bem verdade que a célebre frase "Tempus fugit" se encaixa perfeitamente num evento desta natureza. Como o tempo correu tão célere. Quase se torna impossível travar o tempo (como se o pudéssemos travá-lo...).

A partir daqui entramos num mundo totalmente novo e efémero... sim, entrei num mundo de magia por 4 breves minutos. A par do obscurecimento do horizonte a Sudoeste (junto a essa direcção dos lados vizinhos o céu apresentava-se bem mais claro), notei que o mar se tornou mais escuro como se estivesse a sofrer um processo de transformação química. Ao longe no horizonte, perto do Sudoeste, uma nuvem bastante alongada tornou-se preta. Entretanto, a luminosidade do local estava a mudar de forma fantasmagórica. A certa altura, a cor tornou-se quase etérea. Olhei para a face das pessoas: pareciam ter-se transformado em pedra! A cor criou um efeito tão dramático que tive a sensação que todos os presentes estavam imobilizados e as suas caras pareciam extinguir-se. Uma cor arroxeada com tonalidades acizentadas, indescritível, pareceu envolver-nos a todos. Ainda um pouco antes da totalidade, sentiu-se algum movimento do ar bastante agradável - uma brisa.

E tinha chegado a hora...
Até que me apercebi do lado Sudoeste junto ao horizonte um obscurecimento que quase se poderia passar despercebido. Era um sinal que os milhares de pessoas estavam prestes a testemunhar um dos mais espectaculares acontecimentos naturais que resulta, neste caso, de uma feliz coincidência dos 3 astros, mais importantes para nós, estarem quase perfeitamente alinhados.

As emoções estavam a ser elevadas ao rubro assim que todos víamos um finíssimo decrescente do Sol. Todos a clamar pelo segundo contacto, com gritos, ou em silêncio à espera... até que vi algo que chamou a atenção a todos, um Vénus a brilhar de forma repentina qual Iridium.

Parecia uma supernova a explodir no céu! E a queda de brilho, naqueles menos de 1% de Sol por ocultar, foi tão impressionante que estremeci. Foi tão estranho o rápido escurecimento que me pareceu irreal. E então dirigi o olhar para o Sol (foi por causa de ter sido distraído pelo aviso do surgimento de Vénus, que desviei o olhar do anel de diamante), e vi algo que me desconcertou ainda mais. Terá sido um choque tremendo para mim ter noção que estava ali no céu um disco preto, mais escuro que o próprio carvão envolto na cor mais esplendorosa que artista algum conseguiria mimetizar.

O choque foi como se mil trovões tivessem atingido o templo de Apolo mas sem ter criado danos físicos a quem quer que fosse, mas deixado uma forte e indelével marca algures na nossa memória. A coroa solar resplandecente... estava ali visível o resultado de milhões de graus Celsius, a bela cor branca - mais sublime que a cor da neve - com seis belas flâmulas.

A coroa interior envolvia todo o disco preto da Lua, e daí partiam os prolongamentos de tal forma que fui capaz de estabelecer qual o equador solar de forma aproximada.

Nesse momento, sabendo que estava presente próximo de um templo com 21 séculos de história, que apreciava o primeiro eclipse solar total, bem como uma bela sinfonia de Mozart que tocava mesmo próximo de mim - a orquestra sinfónica estava fabulosa - não pude deixar de verter muitas lágrimas perante tamanho espectáculo.

Era impossível resistir, senti-me a flutuar, quase alheio aos gritos das pessoas.

Era irreal, sim, uma experiência surreal. O nosso cérebro busca algo, uma explicação! Remexe nos mais recônditos locais, confuso com o que observa. Ficamos momentanemente integrados como um todo na Natureza. Senti-me tão encantado pela coroa solar que a olhei durante 2 longos minutos sem desviar o olhar. Sentia-me estupefacto, atónito, imóvel! A primeira vez em que senti que a realidade me parecia um sonho. A objectividade deixa de existir para dar lugar ao extravasamento de toda a emoção humana.
Tentando ainda reconstituir os momentos passados, recordo-me com toda a clarividência das contas de Baily visíveis no segundo contacto. Cinco miríficas pérolas de luz - últimos raios de luz antes da totalidade - que pareciam transparecer as cruzes de difracção, sendo bem visíveis uma cruz de luz em cada pérola, e nalgumas apenas com 3 raios formando uma cruz incompleta.

E sem certezas, lembro-me de uma cor ligeiramente rosada nas vizinhanças dessas pérolas.

Ainda durante a totalidade, consegui distinguir perfeitamente Mercúrio. Memorável dado que nunca tinha visto Mercúrio àquela altura, quanto mais à hora em que se deu o eclipse. Talvez, devido aos poucos cirros presentes, não vi Marte. E não vislumbrei qualquer estrela, mas confesso que estava tão encantado pela coroa solar que a observei com o máximo de detalhe humanamente possível.

No meio de tudo isto, a estranheza de um novo céu que parecia ter ganho novas cores. No horizonte, uma leve tonalidade avermelhada, que se ia esbranquiçando quando nos afastávamos do horizonte e, a certa altura, ia tornando-se escura a caminho do zénite.

Relativamente aos parâmetros meteorológicos, a humidade relativa aumentou mais para o dobro na meia hora antecedente à totalidade, e a temperatura baixou para uns quase 15 ºC embora não tenha sentido tanto essa mudança como sucedeu com o eclipse anular de 3 de Outubro de 2005. Curiosamente a pressão atmosférica manteve-se muito constante.

A profusão de acontecimentos num eclipse acontece quase em simultâneo que é muito difícil segui-los todos com a devida atenção. Mas enaltece a qualquer ser humano presenciar um espectáculo celestial como o é um eclipse solar total.

Compreendo agora inteiramente o porquê de tanto se falar de um eclipse solar total. Tudo o que tinha visto, em termos de eventos celestiais, até agora, ficou relegado para segundo plano em detrimento deste fenómeno!

O mais marcante para mim neste foi o refulgir imediato de Vénus, a estonteante coroa solar bem como as contas de Baily no segundo contacto, e a cor etérea, quase extraterrestre, diríamos!

Não esperava tal magnificência de um eclipse depois de tudo o que tinha lido ou ouvido a respeito. É uma coisa totalmente alheia à experiência humana. Algo como conhecermos uma nova dimensão do espaço. Caros amigos, recomendo mais que tudo, que presenciem um eclipse solar total!

Para ver imagens e resumo do relato ir a:
http://astrosurf.com/ceu/eclipsetotal2932006.html

JMA